sexta-feira, março 18, 2005

A verticalidade do efémero

- «Se saltasses mais alto, perderias de vista os nenúfares» - , disse Mateus enquanto folheava o jornal.
José ignorou-o. Gemeu algo imperceptível, enquanto esfregava o balde amarelo com acetona. «Mfmhnmumm». Ou algo parecido.
- «Será mais prudente, por isso, inclinares-te ligeiramente aquando da propulsão que incutes nos tornozelos para o salto» - , insistiu Mateus, coçando as orelhas.
- «Incuto?» -, retorquiu José já com o balde limpo e equilibrado na cabeça. Lá fora os pardais esvoaçavam alegremente em trajectos hexagonais primorosamente repetidos.
- «Sim, quando flectes os joelhos para»...
- «Propulsão que incuto?!...», insistiu José enquanto marchava em redor de si próprio num compasso militar.
- «Sim... o que te quero dizer é que com essa tipologia saltitona, acabarás por perder de vista os nenúfares»...
José parou a sua marcha. Pousou o balde. Descalçou o sapato direito. «Tipologia saltitona?!», indignou-se. «Mas tu estás a falar de quê, concretamente?».
- «Oh»...