quarta-feira, fevereiro 13, 2008

(re)publicações

«As pessoas que deixamos de ver, de ouvir, de ler, nem por isso se afastam da nossa existência. O que sucede com maior frequência é precisamente o oposto. Essas pessoas, as que deixamos de ver, de ouvir, de ler, são as que mais estão dentro de nós. De forma dura, incómoda até. Quando penso nessas pessoas, sempre que penso nessas pessoas, quando não passa um dia sem que pressinta a sua presença em forma de sombra, de dúvida, de escuro, quando penso nessas pessoas, dizia, percebo que a dimensão do meu ridículo não cabe sequer dentro de mim. Dentro de mim, onde habitam essas pessoas. Presto-lhes, por isso, o meu tributo. Sejam bem vindas, pessoas ausentes. Vocês são a minha substância.»

(Harunnas Tedelski, in “Talvez um dia faça cocó no passeio – Visões semânticas da dialéctica entre o ser e o infinito” )

quinta-feira, outubro 11, 2007

Preâmbulo

No meio de tanta parvoíce, ao décimo primeiro mês lembrou-se, decidiu-se e disse:

sexta-feira, novembro 24, 2006

O universo literário jamais descera tão baixo


Numa iniciativa nada original, o blogue vai dar lugar ao livro.
O dia da metamorfose já está marcado. 16 de Dezembro. Os convites serão endereçados a todos no dia em que estiver definido o local deste mega-evento. Quando tiver novidades volto a postar.

terça-feira, agosto 22, 2006

Ikaïlanen Turünen

(Texto publicado na 1.ª edição da revista semestral Callema)

No momento em que me foi endereçado o convite para participar nesta primeira edição da 'Callema', estava eu em pleno processo de meditação intelectual, embrenhado em profundos pensamentos sobre a dimensão cósmica da cinematografia do russo Alexander Sokurov.

Até certo ponto, confesso, isto não corresponde bem à realidade, porque o facto é que me encontrava numa espécie de exercício contorcionista, a tentar homogeneizar o corte das unhas dos meus pés. Mas, como devem compreender, introduzir essa imagem no arranque de uma colaboração com uma publicação que se quer de prestígio, não se equipara ao charme de invocar aquele que dizem ser «um superior estilista do cinema contemporâneo» e um «demiurgo de uma experiência filmica totalmente inovadora, mesmo nos círculos mais alternativos». Signifique isto o que significar...

Aceite o convite, dei início a um curto período de reflexão que me permitisse encontrar uma temática rica o suficiente para preencher a realidade dicotómica inerente a qualquer espaço de expressão cultural: por um lado, usar uma terminologia absurda para demonstrar conhecimentos linguísticos; por outro, abusar de citações, referências e palavras com hífens para evidenciar a amplitude do meu intelecto. Uma equação que teve como resposta clara e evidente o nome do intelectual finlandês Ikaïlanen Turünen.

Para vos traçar uma breve mas necessária contextualização ao porquê do meu apreço pela obra de Turünen, convém começar por explicar-vos que o meu primeiro contacto com este génio nórdico aconteceu quando, há sensivelmente oito anos, 'tropecei' numa crónica por ele assinada no semanário finlandês «Sukkütunasten», jornal para o qual escreve há 37 anos. Uma colaboração que foi a sua rampa de lançamento para o reconhecimento unânime nos circuitos intelectuais frequentados pelos espíritos mais eruditos.

Os primeiros três anos desta duradoura experiência ficaram marcados pela sua insistência em assinar textos em branco, acontecimento que ficou, todavia, para sempre marcado como a sua marca de genialidade. E de preserverança. «É o purismo da escrita no seu esplendor», insistia, perante a relutância dos editores em concederem-lhe espaço na publicação.

Ainda assim, a nível experimental, cederam. E a aposta arrojada do jornal acabou por resultar em pleno, tendo o tempo confirmado a razão de Ikaïlanen Turünen: as suas crónicas foram um retumbante sucesso e afirmaram o semanário como título de referência no panorama da imprensa europeia. Anos mais tarde o autor publicou uma antologia em três volumes com essas crónicas, tendo a edição dos livros redundado num êxito de vendas até hoje inigualável em solo finlandês.

Abertas as portas do sucesso e os braços do público para acolher o brilhantismo deste fenómeno emergente da filosofia pós-moderna, Turünen pôs mãos à obra e trilhou o percurso que o conduziu de forma fulgurante aos píncaros da fama. Começou a publicar livros numa base mensal, conjugando esse feito, de forma absolutamente espectacular, com a manutenção das crónicas no «Sukkütunasten».

O facto é que Ikaïlanen Turünen aliava à inesgotável e incontestável veia criativa uma proficuidade tal que parecia, por vezes, ter o dom de dividir-se em dois para dar vazão a tamanha produtividade intelectual. Os rumores acerca desse dom adensaram-se sobremaneira quando Turünen apareceu certo dia na redacção do jornal sem as pernas para entregar uma crónica: «Estou a acabar de escrever o posfácio do meu próximo livro», justificou na ocasião.

Rumores à parte, a verdade é que rapidamente Ikaïlanen Turünen se converteu num mito vivo para as gerações contemporâneas da 'inteligentzia' cultural do Ocidente. Sobretudo quando, após ultrapassar, a sua fase de escrita minimalista, o pensador finlandês lançou, em 1979, a sua obra maior: «Virttanen Paruÿy us us Zsinga!», livro que se constituiu como um terramoto no panorama intelectual da época e lhe garantiu de imediato o direito a entrar para o panteão dos grandes pensadores intemporais. Ultrapassa definitivamente o rótulo de «pensador light» que alguns arautos da crítica lhe haviam colado, por o entenderem apenas como mero fenómeno de sucesso meteórico de vendas, sem real conteúdo literário-filosófico.

«Virttanen Paruÿy us us Zsinga!» (numa tradução livre, que ouso arriscar, significará algo do género «Como cerejas e não me farto»), não foi, de facto, uma obra vulgar. Dificilmente assimilável, mesmo. Principalmente ao longo dos primeiros dois capítulos - «o um e o dois», como gosta de sublinhar -, nos quais Turünen nos brinda com 86 páginas de espectaculares arrotos. Arrotos esses que, podendo parecer à primeira vista descabidos, vêm posteriormente a revelar-se referências semiológicas fundamentais para a real percepção do restante livro, onde o autor se dedica a desconstruir os escritos filosóficos do dinamarquês Sören Kierkegaard, um dos seus reconhecidos ódios de estimação.

Numa das mais célebres passagens de «Virttanen Paruÿy us us Zsinga!», Turünen faz uma clara, crítica e mordaz alusão a 'O Banquete', referindo-se à obra de Kierkegaard em tom depreciativo: «Brindes, brindes e mais brindes. Discursos, discursos e mais discursos. Pseudo-banquetes prenhes de retóricas balofas. Acaso saberão que a excelsitude de um real banquete está na existência de comida digna desse nome? Trufas?! Bifanus urgentus est para que se possa discutir convenientemente a necessidade de amar ou seduzir!».

É assim Ikaïlanen Turünen. Directo, irascível, contundente. Por vezes insuportável, mas sempre coberto de razão. Excepto às quartas-feiras, dia em que costuma sair à rua coberto de chantilly. Mas no que toca à sua razão, o mais marcante é o facto de ela nos ser sempre apresentada de forma sublime e categórica, deixando-nos inevitavelmente sem fôlego ao lê-lo, perante a trepidante força e originalidade dos seus argumentos. Os 478 livros que escreveu até hoje, tal como as crónicas semanais com que continua a brindar-nos no «Sukkütunasten», são a prova maior da abundância do génio deste finlandês que, eternamente dado à polémica, continua a fazer questão de ligar o microfone a pedais de distorção quando convidado a participar em colóquios.

Termino deixando-vos uma curta passagem da crónica que tive o privilégio de ler na semana passada e que motivou a escrita deste texto. Um breve trecho de prosa que, sob o singelo título «Penas Brancas Para um Deus Estrábico», testemunha uma vez mais a eloquência de Turünen. Passo a citar: «É frequente sentir frio durante a noite. Nos tornozelos, sobretudo. Quererá Deus dizer-me algo ao fazer-me passar por tal situação? Quererá Deus dizer-me 'tapa os tornozelos, filho, senão constipas-te'? Pelo sim, pelo não, tapo. Os tornozelos. E os ouvidos também. Porque se durante o sono eu ouvisse a voz de Deus, juro-vos que não pregava olho até ao dia seguinte. E não há coisa mais maçadora do que uma noite mal dormida». Palavras para quê?

quarta-feira, março 23, 2005

Porque é que o blog está vazio?, perguntam vocês...

Eu explico...

Daqui para baixo era suposto, de facto, estarem mais algumas dezenas de contos absolutamente cretinos. Contudo, fui obrigado pelo meu editor (insultos para mail@sombradoamor.com) a retirá-los do blog, porque caso contrário, e passo a citar, «corremos o risco de ninguém comprar a porra do livro».

Apesar da minha relutância, anuí. Com a condição de voltar a disponibilizá-los aos meus estimados leitores a partir do momento em que esgotemos os 27 exemplares que vão sair da gráfica.

Abraços.

sexta-feira, março 18, 2005

A verticalidade do efémero

- «Se saltasses mais alto, perderias de vista os nenúfares» - , disse Mateus enquanto folheava o jornal.
José ignorou-o. Gemeu algo imperceptível, enquanto esfregava o balde amarelo com acetona. «Mfmhnmumm». Ou algo parecido.
- «Será mais prudente, por isso, inclinares-te ligeiramente aquando da propulsão que incutes nos tornozelos para o salto» - , insistiu Mateus, coçando as orelhas.
- «Incuto?» -, retorquiu José já com o balde limpo e equilibrado na cabeça. Lá fora os pardais esvoaçavam alegremente em trajectos hexagonais primorosamente repetidos.
- «Sim, quando flectes os joelhos para»...
- «Propulsão que incuto?!...», insistiu José enquanto marchava em redor de si próprio num compasso militar.
- «Sim... o que te quero dizer é que com essa tipologia saltitona, acabarás por perder de vista os nenúfares»...
José parou a sua marcha. Pousou o balde. Descalçou o sapato direito. «Tipologia saltitona?!», indignou-se. «Mas tu estás a falar de quê, concretamente?».
- «Oh»...

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Recordar Morpholiusis

Antonius Morpholiusis escreveu, no século VII A.C., que «a idoneidade de cada ser humano pode ser avaliada segundo o mesmo método de aferição da frescura das alfaces».

Hoje há uma massa ignóbil e contestatária da ala esquerdista da antropologia germânica que repudia esta tese, seguindo cegamente os mandamentos sectários de Wolfgang Finus Grossus, segundo o qual «a idoneidade de cada ser humano tem a forma de uma cabine telefónica, mas em miniatura, daquelas vermelhas como os ingleses têm».

O Esquizofrenias não podia deixar de registar aqui a sua firme perplexidade perante tamanha estupidez.