Uma surdez peculiar
Ele era surdo. Sofria, aliás, de uma surdez particularmente estranha. Apesar de lhe ter sido diagnosticada, por vários entendidos na matéria, uma surdez total – daquelas com um grau tão intenso que nem o estourar de um foguete a meio metro dos ouvidos lhe ecoava nos tímpanos – um estranho fenómeno fazia com que ele se tivesse tornado num «case study» para os mais renomados otorrinolaringologistas do mundo.
Ele conseguia ouvir perfeitamente a palavra «agrafo». Em condições peculiares, é certo. Mas o facto é que, se alguém se agachasse por trás dele e sussurrasse a palavra «agrafo» com dois dedos enfiados no nariz, ele reagia como se de uma pessoa normal se tratasse. Normal, claro, se nos abstraíssemos do facto de reagir desatando de imediato a bater palmas de forma absurda e a invocar, por escrito, de forma veemente e por vezes até violenta, o direito de acompanhar a migração dos javalis quando bem lhe apetecesse.
O seu caso foi motivo de diversas teses. A sua presença em simpósios internacionais dedicados a matérias de audição passou a ser uma constante. Os seus ouvidos foram alvo de várias operações feitas por equipas de especialistas ávidos de descobrir o porquê de tal ocorrência. Mas o mistério prolongou-se até à sua morte. Jamais foi descoberta a justificação para que aquele homem, aparentemente surdo como uma porta, conseguisse ouvir a palavra «agrafo».
A ele, de resto, tanto lhe fazia, conforme foi explicando serenamente às inúmeras pessoas que o questionaram sobre aquela bizarra situação ao longo da sua vida. «Não me posso queixar», escreveu no seu livro de memórias, «pois há quem ouça menos do que eu».
Ele conseguia ouvir perfeitamente a palavra «agrafo». Em condições peculiares, é certo. Mas o facto é que, se alguém se agachasse por trás dele e sussurrasse a palavra «agrafo» com dois dedos enfiados no nariz, ele reagia como se de uma pessoa normal se tratasse. Normal, claro, se nos abstraíssemos do facto de reagir desatando de imediato a bater palmas de forma absurda e a invocar, por escrito, de forma veemente e por vezes até violenta, o direito de acompanhar a migração dos javalis quando bem lhe apetecesse.
O seu caso foi motivo de diversas teses. A sua presença em simpósios internacionais dedicados a matérias de audição passou a ser uma constante. Os seus ouvidos foram alvo de várias operações feitas por equipas de especialistas ávidos de descobrir o porquê de tal ocorrência. Mas o mistério prolongou-se até à sua morte. Jamais foi descoberta a justificação para que aquele homem, aparentemente surdo como uma porta, conseguisse ouvir a palavra «agrafo».
A ele, de resto, tanto lhe fazia, conforme foi explicando serenamente às inúmeras pessoas que o questionaram sobre aquela bizarra situação ao longo da sua vida. «Não me posso queixar», escreveu no seu livro de memórias, «pois há quem ouça menos do que eu».
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